A Viuvez da Cultura


           É Julho de 2014, término de um romance, fim de uma vida. Esse foi o trato de Ariano Suassuna com Deus. Sabia o autor que ao findar seu livro “O jumento sedutor”, a caetana (morte) viria ao seu encontro. Entre os dias 13 e 19, Suassuna concluiu a sua escrita e esta semana já partiu para o plano superior, quem sabe lá vai se encontrar com seu amigo, colega de profissão e companheiros na Academia Brasileira de Letras (ABL), João Ubaldo Ribeiro que fez a viajem justamente na semana passada.

Suassuna lá em cima deverá organizar uma nova ABL ou conquistará uma cadeira na que Machado de Assis possivelmente já tenha criado afinal de contas foi ele quem criou a brasileira. Ariano Suassuna demonstra em suas escritas um catolicismo sarcástico e muito bem humorado. Quem não deu muita risada com seu romance e filme “O Santo e a Porca” e as mentiras de Chicó e a submissão da igreja ao dinheiro em “O auto da Compadecida”? Um Jesus negro, tudo de bom. Um diabo atormentado com os comentários dos santos. A genialidade de Suassuna e sua cultura muito brasileira tornaram o nordeste visível, risível e acima de tudo demostrou sua autenticidade.

Falar em cultura brasileira, sem pensar Ariano Suassuna é negar a identidade e a natureza nordestina com suas cores solares amarronzadas e ressequidas no imaginário do povo do sul do país. Nascido paraibano em família de coronéis, Suassuna se tornou pernambucano de cultura, coração e práticas diárias. Um pernambucano de verdade torce pelo rubro-negro Sport Futebol Clube, veste roupas confeccionadas por costureiras locais e escreve seus romances e cartas a mão e, muitas vezes, de lápis. Nesse caso, o Suassuna é genuinamente pernambucano. Certo dia, disse ele, “Quando eu morrer não soltem meu cavalo nas pedras do meu pasto incendiado”. Claro que não, Suassuna. Seu cavalo permanecerá num pasto verdinho, se alimentando do melhor capim, até porque o teu pasto nunca sofreu um incêndio e tuas palavras alimentarão gerações brasileiras e estrangeiras de forma transcendental. Se o desejo de um homem não morre com sua partida para o mundo espiritual, sua cultura, então, ultrapassa gerações contextualizando seu pensamento, sua época e seu lugar.

Suassuna em suas vivências ensinou ao povo brasileiro que a arte de escrever nem sempre está no momento de concentração absoluta e que, muitas vezes, os minutos entre a realidade e o delírio produz trabalhos fantásticos. Assim disse Suassuna: “O melhor momento para escrever é quando não está mais dormindo, mas, ainda não está acordado”. Quem dera a todos os não gênios da escrita brasileira pudessem ser tão criativos entre os devaneios e a realidade.

É, Suassuna, você tem tanto prestígio que deslocou a presidente do país a tua cena fúnebre. E a tua roupa? É aquela mesma de gala, a rubro-negra, ou o fardão da ABL? Está difícil de escolher né? Os pernambucanos estão com as suas cores preferidas, então, se for de fardão que seja, mas, tenho certeza que a bandeira rubro-negra estará sobre tua lápide, assim como as da Paraíba, Pernambuco e Brasil. Quando eu era adolescente, imaginava um Ariano Suassuna esquisito, muito velhinho e quem sabe meio tosco, afinal, tuas personagens me faziam pensar nesse universo pouco convencional. Quando fui ficando adulta percebi que este nome nordestino não tinha nada a ver com a minha imaginação e que a pessoa ainda era jovem e escrevia fantasticamente bem. Como nordestina tenho um orgulho danado desse pernambucano por adoção e de sua forma de ver a sociedade brasileira e do Nordeste.

Suassuna partistes ontem, vais ao encontro de outros grandes escritores sejam eles famosos ou anônimos que se encontrem no plano espiritual, eu, a torcida do Sport e o Brasil em geral sabemos que tuas lições culturais já conhecidas e ainda por serem reveladas só trarão para o mundo lições de como superar a tristeza através da gargalhada, os maus políticos sofrerão de alguns revezes através da tua comédia escrachada, as raízes do Nordeste se fortalecerão ainda mais através das estórias de mentirosos por amor a arte como Chicó.

Pois é, Suassuna, uma hora por doença ou por idade a gente vai embora, no seu caso, a caetana veio te pegar por idade, mas, cumpriu o trato de deixar a tua história pronta e você próprio definiu-se numa frase muito própria para uma pessoa de auto estima muito alta: “Só o teu nome é o que importa. Todos os outros são erros. Tu tens a chave da porta dos sonhos e pesadelos.”  Nossos pesadelos sempre foram muito bem retratados em tua escrita enquanto os nossos sonhos só nós podemos realizar. A tua partida não te separa de nós, Ariano Suassuna é o nome do Nordeste. É o respeito, a identidade de um povo que nasceu, cresceu e sobrevive numa região árida, mas de natureza cultural muito elevada.      
                                                                                                                               jul. 2014

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