A IGREJA DO DIABO (esquete para teatro 1 pessoa). De Machado de Assis, adaptação Irene Dóres.




Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Isso porque ele desejava uma Igreja sem organização, sem regras, sem ritual, sem nada.
O Diabo queria uma Igreja para combater as outras religiões, e destruir as Igrejas instituídas de vez.
E o Diabo dizia: Uma igreja! É isso, preciso construir a minha Igreja. Assim posso jogar Escritura contra Escritura. Terei a minha própria missa, dispensarei as bulas, as novenas.... mas não beatas, as beatas não, preciso delas para puxar o meu saco, e enganar os fieis gritando sempre: ta amarrado satanás! aí meu credo será o núcleo universal  e Jesus Cristo, apenas o fubá. Ninguém me vencerá, nem Maomé, nem o Papa, nem Lutero.

E colocou-se o diabo diante de Deus a exigir sua Igreja, Deus tentou de toda forma dissuadi-lo de seus desejos, mas o diabo insistia, e Deus então já sem paciência perguntou-lhe o que faria ele com sua Igreja.
O diabo então apontou para um velhinho que estava a chegar ao céu cheio de doçura e falou:
-Tá vendo aquela boa alma chegando aqui? é uma das ultimas, e sabe porque? Ser santo custa caro, requer muito sacrifício, muito altruísmo, e o pessoal da terra não pensando muito nisso não. Agora é minha vez de agir, você já deu muita moleza e o cristãos não se consertaram, deixe comigo que a coisa agora vai mudar eu prometo!
Deus então de saco cheio com a insistência do diabo permitiu que ele fundasse sua Igreja na terra. E o Diabo conseguiu, montou Igreja, alienou os fieis com suas promessas de salvação, prometeu o paraíso, ele se dizia verdadeiro, não mentia, não enganava agia sempre pensando no melhor.

O Diabo pregava o seguinte em sua Igreja: vamos pessoas, vamos ser verdadeiros, decorem as palavras de cabo a rabo, mas não precisa se preocupar em seguir o escrito, sejam vocês mesmos, bebam, fumem, roubem, matem e não perdoem. Não sejam falsos, não ajudem o próximo. Vocês não podem ficar em cima do muro têm que tomar algum partido. Julguem, pensem que vocês são melhores que os outros. E pensem muito bem, tem que ter vantagem para si, ajam como os políticos, armem. Não dêem conselhos, vendam  suas opiniões, seus votos, exijam o retorno quando ajudarem. Pois se podeis vender os objetos, os animais, os móveis, porque não os favores?

E o diabo assim seguia, seu negócio era negar tudo, destruir todos os conceitos, sempre pautado nas transgressões rotineiras.

O Diabo foi muito amado e seus ensinamentos alcançaram todo globo terrestre. Mas, depois de um tempo as pessoas que o seguia começaram a sentirem-se cansadas de tanta liberdade. Então voltaram a fazer o bem escondido.
O político ladrão devolveu algumas importâncias para o erário, as pessoas comuns voltaram a dar bons conselhos, a evitar vícios, a fazer campanhas contra as leis da vantagem e a não julgar o próximo, então a Igreja do Diabo foi ficando vazia no mundo inteiro.
O Diabo foi entrando em depressão por conta de seu insucesso, desesperado foi procurar Deus para se queixar do seu fracasso, e Deus lhe ouviu com muita paciência observando que em nenhum momento interferiu nas atitudes do diabo na terra, porque sabia que as pessoas tinham livre arbítrio para escolher o melhor caminho.
Vendo o Diabo a reclamar que não entendia porque os fieis não o seguia mais Deus então respondeu:
- Que queres tu meu pobre Diabo? Pensou ser o dono da verdade? Agora as capas de algodão têm franjas de seda, como as de veludo tiveram franja de algodão um dia.  Conforma-te. É a eterna contradição humana.
                                                                                                                                        (mai. 2009 )

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