CARNAVAL 2019 FESTEJARÁ A REVOLTA DOS BÚZIOS
Entrevista concedida ao jornal sute Bahia Notícias, publicada em 22.02.2018 pelas jornalistas Jamile Amine e Lara Teixeira
Esse ano o governo do Estado anunciou como
tema do Carnaval a celebração dos 220 anos da Revolta dos Búzios. Eu queria
saber a sua avaliação como dirigente de um bloco afro, como professor,
educador, com todo o seu conhecimento, sua avaliação sobre este tema para o
Carnaval.
Nós tivemos, no
ano passado, uma primeira reunião com a Fundação Cultural Pedro Calmon para
fazer essa discussão. Esse ano nós estaríamos fazendo um grande movimento na
Bahia em função dessa temática e os blocos participaram, Olodum, Ilê Aiyê, todo
mundo participou. Então, primeiro, a Revolta dos Búzios tem uma dimensão
histórica muito relevante. Eu estou falando do contexto do Brasil como um todo,
porque a Revolta de Búzios traz alguns elementos que são extremamente
positivos, inclusive para pensar no que é hoje o nosso país. Primeiro que é um
movimento de jovens, a faixa etária dos meninos que participam é bastante
baixa, mas ao mesmo tempo é um movimento de jovens antenados com tudo que
estava acontecendo no mundo.
Então você vai
ver que no alto da devassa vão ter várias citações sobre o que estava
acontecendo na Polônia, o que estava acontecendo na França principalmente, o
que estava acontecendo nos Estados Unidos, e um referencial que é muito
positivo é o Haiti. O Haiti vai ser um momento importante na história da
América por ter sido a primeira república negra. Primeiro ponto importante da
Revolta de Búzios é pensar que é um movimento globalizado, nós já estamos
falando de uma globalização muito antes de falar de termos uma internet,
computador, ou outras ferramentas atuais. Isso significa dizer que aí ja começa
o primeiro ponto positivo de Búzios. Quer dizer, a Bahia já é um grande celeiro
dessas discussões mundiais. Isso já começa a romper a ideia de que nós
estávamos isolados, de que eramos só uma “colôniazinha” e coisa e tal isso, já
é um ponto positivo. Salvador é essa cidade cosmopolita. A cidade onde vários
povos estão transitando, trazendo ideia de todos os lugares. Esse é o primeiro
ponto.
Um segundo ponto
importante é você pensar uma articulação dentro da cidade de Salvador contando
com vários elementos, vários segmentos da economia e, de modo geral, da
produção. É um movimento que vai envolver senhores de Engenho, mas também
professores, padres, médicos, padres de várias congregações diferentes, você
vai ter a participação de soldados e ex-escravos. O que você vai perceber é uma
participação que vai envolvendo vários segmentos, que significa dizer que
naquele momento em Salvador a ideia da liberdade da República e, obviamente, a
independência já começa a mostrar que era um guerrilho popular. Isso é um
diferencial com relação às outras inconfidências que vão ocorrer no mesmo
período.
Algumas figuras proeminentes à frente da
Revolta dos Búzios não são tão lembradas, sobretudo nacionalmente. A gente tem
Tiradentes, na Inconfidência Mineira, o feriado, todo mundo diz que ele é uma
figura icônica. Por que as figuras emblemáticas da Revolta dos Búzios não têm
essa proporção?
Tem algumas
diferenças com relação às três inconfidências - teve também Inconfidência no
Rio de Janeiro no mesmo período, chamada de Inconfidência Carioca, mas uma
Inconfidência realizada apenas por intelectuais, um grupo de intelectuais
cariocas que pleiteavam a maior inserção da literatura brasileira no contexto.
O que há de diferente na Inconfidência Mineira é que talvez o grande grosso da
se dá com a Elite. Tiradentes vai ser uma espécie de um indivíduo representante
da classe popular, ele é o mais pobre digamos assim, então foi muito fácil você
escolher um ícone, nós vamos ter um herói. Na inconfidência baiana você tem
algumas diferenciações.
A Bahia estava
vivendo ainda a transição de ser a capital, os olhos da coroa estavam para a
Bahia, então a inconfidência baiana precisava ter uma ação mais enérgica do
governo, da coroa, a reação na Bahia precisava ser exemplar. A inconfidência da
Bahia precisava dizer “não podem mais fazer isso” e o que é emblemático é que,
diferentemente da Inconfidência Mineira, em que você tinha grandes lideranças,
grandes senhores de Engenho, escravocratas e um ícone, aqui não, aqui será ao
contrário. A maior parte são populares, é uma revolta de populares. Era uma
revolta que iria enaltecer o povo e, se você enaltece a classe mais baixa, você
está mudando o sentido da pirâmide. É muito mais fácil você escolher um ícone e
transformar em um mártir do que transformar uma massa em líderes. Tanto que na
Revolta de Búzios 11 escravos serão presos, todos os senhores serão absolvidos.
Desses 11, um comete suicídio, que até hoje não foi bem explicado. Como ele ia
cometer dentro da cadeia? Porque foi cometido através da ingestão de uma dose
de mercúrio... Dos outros 10, chegam na capital apenas os cinco finais, sendo
que, dos cincos, um foge, que é Luiz Pires, e os outros quatro vão ser os
responsabilizados por todo o movimento que moveu mais de 200, talvez 300
pessoas na cidade de Salvador e no Recôncavo.
É importante
pensar que é um movimento que extrapola a cidade de Salvador, então me parece
que certamente ao pensar o movimento na Bahia, e há um recorte que
terminantemente não há como desconsiderar, estamos falando em vista de se
tornar o exemplo de uma massa. Mas é um recorte que nós não podemos deixar de
esquecer, que é uma inconfidência de negros, pardos e mulatos, e isso também se
põe contra a Revolta de Búzios na questão da visibilidade. Há uma espécie de
intencionalidade de não dizer que houve na Bahia um movimento negro, porque é
muito emblemático, é um movimento que antecede inclusive as discussões do
Brasil sobre o processo da independência da República. Enquanto a Inconfidência
Mineira é um movimento de independência, "nós vamos nos tornar livres de
Portugal, daqui para frente a gente vai ver o que vai fazer", aqui não.
Eles estão pretendendo a independência do Brasil, mas também a implementação da
República. Eles falam de um Partido Republicano na Bahia, falam de um movimento
que prevê a abolição da escravatura, já preveem a abertura dos portos, até
antecedendo a fala de Dom João que vai chegar aqui muito tempo depois. Eles já
falam da reivindicação dos soldados da milícia, já preveem a laicidade do
Estado... é um movimento muito mais complexo e talvez por isso a necessidade
também de visibilizar esse movimento, porque são muitas ideias perigosas.
Tem uma coisa
que me chama atenção na Revolta dos Búzios, e isso está dito entre os doze
boletins - sendo que, assim que foi publicado, o décimo segundo foi rasgado,
então só 11 foram para devassa -: teve um momento importante, em que se começa
a dizer que “a chegar ao tempo em que nós seremos felizes”. Quer dizer, é um
movimento inusitado, nós estamos falando de um movimento que introduz um
aspecto extremamente subjetivo, que é a questão da afetividade também, não apenas
reivindicatórios. Naquele momento há exacerbação da colônia, Portugal está
passando por momentos econômicos bastante difíceis, e Salvador é um grande
celeiro econômico, é a grande galinha dos ovos de ouro. Então um movimento como
esse tem o impacto, "vocês estão querendo fazer um movimento para que eu
perca essa galinha dos ovos de ouro", então é uma ação que precisava ser
cortada pela raiz. Búzios naquele momento vai ter um impacto tão grande quanto
foi o Haiti, obviamente que guardando as devidas proporções, porque lá houve o
exito, eles chegam no final e conseguem derrotar o exército de Napoleão. E aqui
não há um êxito. Por conta disso, aqui é um exemplo do que não façam, e lá é um
exemplo do que fazer se vocês quiserem dar certo.
Então me parece
que essa intencionalidade de Búzios era justamente para propagar que não façam,
se vocês quiserem vai acontecer isso, não multiplicar essas ideias. E a pena
foi algo brutal: as quatro gerações vão ser enforcadas, serão infames até a
quinta geração... no ponto de vista religioso e econômico eles são a pior das
piores coisas, não podem casar, não podem ser batizados, e não restringiu
apenas aos quatro, mas levou até as próximas 5 gerações. É um processo
extremamente brutal nesse sentido, o que nos faz fazer uma reflexão de que,
assim que o Brasil se torna independente, anos depois, não significa
necessariamente a liberdade. Você termina se separando de Portugal, mas a
escravidão continua e, quando chega o processo da libertação da escravidão,
você ainda tem as demandas que não foram resolvidas desde Búzios. A República
só vem depois. É como se houvesse uma tentativa de que esses ideais não fossem
postos em prática da forma como foi foram pensados, como se houvesse uma
especie de controle. A história do Brasil no ponto de vista dos grandes
movimentos é uma espécie de uma tentativa de que não há uma perda do controle,
assim foi a abolição, assim foi a República, assim foi o fim do regime militar,
acaba o regime militar, mas vai ter eleições diretas? Não ainda não progressivas.
Não sei se tem uma razão ou não, mas parece
que é sempre tentando tirar o protagonismo da mão do povo, sempre não foi o
povo que fez?
E fomos nós que
elegemos o mártir da Independência, quer dizer não é o povo, nós é que vamos
decidir quem é esse mártir. E aí vem mais uma vez a história de Tiradentes, é
melhor você deixar uma pessoa como mártir, e se você prestar bem atenção
Tiradentes ele passa a ser capturado como uma espécie de Jesus Cristo, com
barba, aquela coisa bem cristã e ele passa a fazer parte de uma espécie de
simbolismo e há de se perguntar até hoje se
Tiradentes tinha uma fisionomia como aquela, uma vez que ele era militar
provavelmente ele não fosse daquele jeito, cabelo barba, nem pelo tempo que ele
ficou na cadeia não daria, então a também uma tentativa de se construir um
mito, se constrói o mito, e é muito mais
você construiu um mito dentro dessa conjuntura de que eu decido, do que a elite
vivendo, do que o movimento eminentemente do povo. Quer dizer quantos heróis
populares nós vamos ter na história do Brasil? todos os heróis eles vão sendo
decidido pela própria elite foi assim Joana Angélica Maria Quitéria a própria
história de Tiradentes, foi assim com Duque de Caxias.
Recentemente me
parece que é um movimento popular e quando eu digo um movimento popular leia-se
os movimentos de um modo geral, de uma tentativa de se rever essa história do
Brasil, então essa tentativa de rever a história do Brasil certamente já é esse
momento de tensão, de se perguntar exatamente “quem são os heróis mesmos da
Pátria?” “Quem são estes que vão ser colocados como referências da nossa
nação?”, nesse momento certamente
pós-constituição os movimentos mas também a partir de algumas pesquisas
acadêmicas, quem é mesmo Rondon quem vai ser mesmo Duque de Caxias a ponto de
se perguntar se foi mesmo o Pedro Álvares Cabral que descobriu o Brasil e nesse
conjunto entra a revisão das inconfidências, porque daí é importante pensarmos
que a Revolta dos Búzios também como uma medida de reparação histórica. Esses
jovens Eles estiveram num plano de Defesa do Brasil tanto quanto os outros
desse mesmo movimento e que é preciso fazer uma reparação histórica, então me
parece que esse seria uma segunda a importância desse Resgate, hoje desse
revisitar hoje do estado, mais do que tudo é resgatar os heróis, é dizer
eminentemente que houve um movimento popular, houve um movimento de
articulação, ele não foi meramente espontâneo, não foi um levante de jovens que
estavam insatisfeitos e de repente partiram, não foi, foi um movimento pensado,
articulado, globalizado.
Então antes de
tudo, na Revolta de Búzios ela mostra para a juventude de hoje, eu acho que é
um aspecto importante, mostra para a juventude de hoje a possibilidade dessa
insatisfação, mas uma insatisfação de uma forma articulada pensada, com vários
segmentos não somos só nós, nós somos os insatisfeitos, e uma coisa que me
chama atenção, é um movimento de letrados, eu acho que isso revisa muito da
nossa história quer dizer, fazendo um recorte do que é o processo da escravidão
do Brasil, a historia da escravidão do Brasil também não foi contada pelo
negro, a história da escravidão do Brasil sempre foi contada pela Elite como
foi que se deu, isso ainda é muito forte no nosso Imaginário, então nós
imaginarmos que escravos eram letrados sabiam ler e escrever, isso é uma coisa
inusitada.
Nosso Imaginário
que nós temos dos escravos é que eles apanharam e fim de papo. Então a partir
do século 18, mil setecentos adiante, começa a se impor o senso, todo senhor de
engenho tinha que fazer seu senso, era uma forma de pagar impostos e ele foi um
dos motivos da Inconfidência Mineira, para você dizer quantos escravos você tem
e quanto você vai ter que pagar a coroa, era um imposto de renda daquela época.
E nesse senso, alguns senhores de Engenho já indicavam as pessoas letradas.
Então você vai ter províncias na Bahia que a população letrada, é muito maior
do que a população branca em idade ativa você tem mais gente na letrada do que
brancos, significa dizer que tem um contingente que não esteja aparecendo na
estatística, então essa Revolta dos Búzios dentro da cidade de Salvador quando
você vai ler os áudios desses 10 escravos que foram ouvidos, que foram
sentenciados, e tem os testemunhos deles, boa parte deles sabiam ler e escrever,
inclusive a esposa de João de Deus, era professora de francês e traduzia os
escritos que vinham da França, então você tem aí um movimento de letrados, isso
desconstrói a ideia de que os escravos não tinham essa expertize, e você tem um
movimento como esse e você não tá escrevendo só para os brancos, você tá
proclamando todos, por isso que é uma opção pela escrita, por um boletim
escrito e se materializa a ideia, e conclama a todos que participem e isso é
outro dado que eu acredito que é bastante significativo.
E tem um outro
aspecto de Búzios que daria para se investir numa pesquisa mais apurada, que é
o aspcto religioso. Por que Búzios? Então na devassa alguns desses que foram
presos eles trazem o Búzios como elemento de identificação, a pergunta é: haveria
portanto algum outro componente que não fosse apenas o critério de
identificação? Porque o buzio ele tem um valor simbólico para algumas matrizes
africanas. Ele tem um aspecto do
mistério, um Búzio carrega o mistério, o que nem todo mundo pode saber. que são
aspectos do Búzio. Mas tem um componente de uma casa Espírita, O Cavaleiro da
Luz, que segundo alguns segundo alguns pesquisadores teria sido um dos
protagonistas nessa história quer dizer é uma casa Espírita vinda da França e que traz os ideais as
histórias da Revolução Francesa de certa forma isso começa a se propagar, então
esse é outro componente talvez nem tão explorado, mas que seria importante, então me parece que
essa discussão hoje pensada no governo do estado tenha essa amplitude de retomar
todas essas discussões, como reparação é para além do carnaval isso.
Você acha oportuno justo no Carnaval?
Eu acredito que
sim, pela visibilidade e a possibilidade de como você pode trabalhar essas
discussões, tem a questão do simbolismo, você vai ter peças publicitárias, você
vai ter os blocos tendo que falar sobre isso, você vai ter a imprensa tendo que
falar sobre isso, e de certa forma isso dá uma visibilidade positiva, o
carnaval de Salvador é a grande vitrine. Então hoje você vai estar dizendo ao
mundo que a Bahia está fazendo uma retomada de um processo histórico e as
pessoas vão ter que estudar para saber que processo histórico é esse. Então
para mim o Carnaval é apenas um pontapé inicial, me parece que ela deve ser
entendida dessa forma. A partir de agora temos alguns desafios e parece que a
partir de alguns desafios, primeiro fazer com que essa mensagem alcance a Bahia
e isso significa dizer que a Bahia não é só Salvador, isso já é um desafio
enorme é preciso pensar isso para além, porque a Revolta de Búzios passa pelo
Recôncavo, Santo Amaro, Cachoeira, mas é preciso pensar isso no âmbito da Bahia
como todo e o desdobramento disso para o Brasil a partir do momento que você
divulga.
O segundo
desafio é fazer, a partir desse primeiro é revisar o que nós estamos
trabalhando hoje no ponto de vista das escolas, todas as redes públicas e
privadas ainda que estejamos sobre o manto da lei das mil e onze mil que tornou
obrigatória a história da África... você tem a oportunidade de oportunizar
concretamente esse debate dentro do carnaval, eu tô dizendo isso porque quando
se pensa na leis da África ela pensa além de projetos ela pensa em mudança de
mentalidade conteúdo, o ápice de Búzios é 12 de Agosto, mas não significa dizer
que aconteceu só em 12 de Agosto, Búzios vem antes um ano antes pelo menos, e o
12 é simbólico por que é o dia dos jornais mas a prisão é dia 25, e o
enforcamento em novembro, você trazendo isso para o Carnaval , você diz “Búzios
não é só em agosto” posição movimento que você precisa pensar no âmbito do ano
todo, e se isso é isso para Búzios, isso também deve ser para outros
movimentos. Você ver que agora em janeiro nós tivemos um dos maiores movimentos
de luta urbana que ocorre na América, mas que não é visibilizado, que é a
Revolta dos Malês, talvez seja o maior movimento urbano, até o Haiti é um movimento rural que ocupa a
capital, males não, é um movimento que o ápice é em 35, mas ja começa em
1804, é um ciclo de rebeliões
islâmicas, Salvador, cachoeira, mas é
invisibilizado, porque as escolas estão
de férias, quando voltar já passou. É o que acontece com dois de julho, está no
recesso escolar, quando a escola retoma já passou e é um grande movimento
popular indígena.
Mas de uns 10 anos para cá o 2 de julho é
uma data que vem sendo mais explorada?
Na mídia sim, na
televisão, mas não lá na escola. Isso ainda não chega lá, não é tão forte, você
não consegue perceber como esse debate ele vai acontecendo no contexto da
escola no dia a dia. É importante trazer no carnaval para poder disparar.
De repente agora está falando de Búzios,
mas oportuniza o debate sobre outros movimentos, questões?
Você já tem aí
uma segunda importância sendo no carnaval é você dizer “não a partir de agora
eu acredito que não vai ser só agora mas que assim a partir de agora é preciso
pensar essa temática ou pelo menos os desdobramentos dessa temática”. A
terceira questão que eu acho muito significativa é o que você falou no início é
um momento muito oportuno para se discutir esse movimento resistência,
resistência contra a elite. Búzios nos ensina que é possível fazer essa luta
numa forma organizada articulada então um momento muito importante pelo momento
em que o Brasil hoje vive em vista político Búzios nos dá vários respostas ou
se não são respostas, mas nos dá várias pistas do que é preciso fazer e de que
forma a fazer isso. Então toda a saga de Búzios, é uma saga que vai o tempo
todo nos ensinando como deve se pensar uma sociedade que pode ser livre, pode
ser feliz, então toda a história da forma como foi feita, como foi pensada, vai
nos ensinando que nós não podemos desistir, nós não podemos parar, não podemos nos
acomodar nós não podemos simplesmente dizer que é desse jeito e sempre foi
assim, então me parece búzios pode nos dar algumas pistas nesse sentido.
Aí como eu já
disse antes, você pensar o protagonismo juvenil, da Juventude, esse
protagonismo popular e de classes tem alguns teóricos que dizem até “não bota
classe no meio para não virar um movimento marxista”, mas nós não estamos
falando de proletariado obviamente não é uma disputa de classes, mas a um
componente de classes a o professor a edificação pelo salário dos Soldados,
pela melhoria do soldos, então eminentemente você também transita por essas
discussões de classes, mas Búzios é um movimento extremamente poético, estamos
falando de um movimento poético dos que querem ser felizes, é um movimento literário
você escreve sobre isso, você faz um texto, um boletim mas também é um
movimento político, é um movimento reivindicatório, de protagonistas, e me
parece que talvez pensar a história do Brasil a partir de Búzios é repensar
muito a nossa história, povo negros, pobre e todos os segmentos em vistas ao
mesmo ideal.
O carnaval do governo é justamente no
Pelourinho, então também ta conectado com a
questão dos negros, de repente lugar também dá essa força?
É o grande
celeiro exatamente o centro histórico Terreiro de Jesus é o local onde ocorrem boa parte da trama E aí é
um movimento que vai que você pega o mapa da cidade de Salvador ele vai da
Gamboa vai até a Cidade Baixa toda aquela região da Cidade Baixa Barroquinha. é
o movimento genuinamente urbana é um movimento do Grande centro de Salvador,
isso também nos faz repensar O que é o centro histórico da cidade de Salvador
para além da festa, eu acho que o carnaval também pode nos dar essa pista para
além da festa o centro histórico também é um espaço de articulação política é
um espaço... da Revolta dos Malês ocorre na região do centro histórico 2 de
julho é o ápice porque o grande embate vai se dar lá na região do Pirajá, mas é
o ápice da chegada das tropas, então Centro Histórico ele tem um valor político
e significativo, é o espaço da articulação dos blocos afros ainda que hoje eles
estejam localizados em locais diferentes mas o centro histórico era o grande
local do encontro do chamado correio nagô, as pessoas iam passando e falando
vai ter ensaio aqui acolá, é um momento de revisitar o Pelourinho, tem uma
coisa que obviamente Búzios desdobre, Centro Histórico Salvador na Bahia Brasil
de modo geral me Parece que há uma tentativa de não visibilizar alguns aspectos
que fizeram parte da nossa história, principalmente no que se refere à questão
da escravidão, me parece que é uma tentativa de não querer trazer isso a tona,
é um mal que nós o tempo todo queremos não falar sobre, isso desde o ponto de
vista individual, as pessoas dificilmente tem noção que provavelmente nossos
bisavós viveram a escravidão ou nem sabe quem é o próprio bisavô, bisavó que certamente a 150 anos atrás viveu
a escravidão ou o final dela, é algo muito recente. no ponto de vista
individual e no ponto de vista coletivo também. Você chega na cidade de Salvador e quais são as marcas da
escravidão? Tudo isso é muito
invisibilizado no próprio Pelourinho, ele é um símbolo invisibilizado. Ele foi
um lugar de açoite é o local onde o escravizado foi penalizado, muitos
morreram.
E nós tivemos pelo menos três pelourinhos
diferentes, tivemos um Pelourinho onde hoje é a praça municipal, onde tinha o
tronco principal, que depois de um tempo
começou a chocar as pessoas, vendo uma pessoa ensanguentada, ai ele vai para o
Terreiro de Jesus e no final no século 19 Ele vai para o lugar mais distante
para ninguém ver, que é laa ladeira do Pelourinho, é um lugar para ninguém ver
o sofrimento, então Pelourinho é um Marco de Sofrimento não é que ele vai viver
do sofrimento, mas é preciso lembrar que aconteceu sofrimento, você pode até
perdoar mas você não pode esquecer, o Pelourinho ele precisa ser entendido como
esse lugar de Sofrimento para lembrarmos do que aconteceu e não pelo lugar da
festa. Então quando se chega, ai você e reforça a ideia de que a Bahia é um
estado meramente festivo, mas não é que não seja, mas se você não conseguir
lembrar e dizer exatamente o que foi, passa uma sensação de que está tudo bem.
“É isso mesmo, nós já superamos, não precisa mais disso” eu digo isso, porque
algumas nações, o que passou isso é visibilizado, na Alemanha você não apagou,
as pessoas precisam saber o que aconteceu, até para que não aconteça. então o
Pelourinho ele passa a ser o lugar da festa em que em algum momento nós não
vamos mais esquecer o que aconteceu Eu não sei se isso vai ser assim mas talvez
haja um possível desdobramento sobre isso como você falou o carnaval no centro
e talvez trazer para o tema do carnaval uma luta e aí eu espero que torço mesmo
para que isso não cai a meramente no festivo de novo, mas que tenhamos Há uma
possibilidade de sim é um espaço comemorativo mas é um espaço comparativo de
uma luta é o espaço comemorativo de um movimento revolucionário e não meramente
a festa pela festa, se não a gente pode está cobrindo mais uma história, com a
festa espaço festivo. Eu acho que Búzios tem muita coisa aí para vender.
Daqui para o resto do ano a gente vai
debater muito sobre isso.
Só rapidamente e
falando o que que isso vai impactar para os blocos afros, eu acho que tem uma
questão que eu acho muito importante. A história das agremiações negras na
carnaval de Salvador, em 1600 já existiam negros pulando o carnaval de
Salvador, os foliões negros, com seus batuques na rua, isso desde o século 17,
mas no século 19 tem a primeira agremiação, um corpo pensado e articulado, para
o carnaval e aqui em Salvador no centro você vai ter Embaixada africana, os
pandgnos da África uma aglomeração de negros levando de uma forma organizada,
muito separados por cordões. Então essa história da inserção do povo negro na festa
de rua em Salvador, é um movimento de resistência porque o espaço do
carnaval, era o espaço da Elite, os
nobres e os filhos dos Nobres iam para os bailes e na saída dos bailes aí
tomava rua ,só que quem tava na rua era outra população, Então essa população
que era a negra, Aí sim virava a festa era o motivo da festa, muita pancada
muita agressão tudo que você podia imaginar E se houvesse revide quem ia preso
era o Negro, como hoje essa história dos
conflitos étnicos do carnaval não começou agora, então os blocos negros surgem
como uma espécie de reivindicação e assim, é um espaço Nosso, você tá lá eu tô
ca, e tudo bem.
Isso vai com os
blocos chamados de afoxé, que são esses primeiros, depois vem os batuques à
escola de samba, e quando chega o Ile aye me parece que a uma nova leitura do
carnaval, não é só da reivindicação dos espaço, porque a gente já tá na Rua, em 73 é um movimento de reparação política, de
afirmação política, é um movimento reparatório, então o Ilê quando surge, ele surge com o nome de poder negro, e aí
Imagine você em plena ditadura militar o poder negro, os caras: “o poder não
pode ta do lado de lá nao, tem que estar
cá” então ele é proibido de colocar esse nome e cria uma estratégia coloca o
nome em Ouroba que só que vai entender são eles, aí o senhor da Terra. Eu digo isso porque para bloco afro o
carnaval é um espaço de reivindicação política, e não somente um espaço
festivo. Digo isso porque a partir de Ilê,
vão surgindo vários blocos afros e todos com uma conotação política,
então você tem o melôdubam, que vai surgir depois e aí vem uma lei que é o
nosso lar, ele vai surgir uando surge 79 ele vai surgir em Itapuã que até hoje
é longe de Salvador qualquer lugar que você tiver que vai para itapua é longe e
surge com um propósito político nós vamos colocar no nosso nome um Levante de
escravizados, os males, quer dizer o malê debalê faz uma opção também política,
na época era os males.
Depois de alguns
meses teve uma ????? (40:30) dois três meses depois vem os males é um nome muito
seco vamos colocar um segundo nome aí e aí surgiu o debalê que não tem nenhuma
tradição, não quer dizer nada, por mais que as pessoas tentem dar um significado mas é uma palavra sem
sentido, uma palavra para rimar Malês Revolta dos Malês e de balé Bloco malê
debalê. A partir daí virou tudo, nessa
sequência vem o olodum, muzenza, todos
com uma afirmação, para falar de Bob Marley e outros para falar do Pelourinho
ou não Pelourinho da festa mas dos Jovens, Da prostituição, da rua para o bloco
afro o carnaval também não é só a parte Festiva é o começo, você ver que todo o
bloco afro tem um tema e cada tema é pensado antes do Carnaval.
O Carnaval de 2018 começou em 17 então você
lançou o tema, quando você lança o tema Você tem todo um período para trabalhar
o tema, ai vem as músicas a escolha do Rei e da rainha no caso do malê, que tem
a roupa tem que ter relação com o tema e as músicas esse simbolismo eles vão
ser trabalhadas na escola, escola do malê e não irei ao caso do meu ele é
trabalhado Na escola e por aí vai é um tema também ao pensamento político Por
que você pensa eu tenho aí você pensa de que forma ele pode ser trabalhado no
dia de hoje o que que tá acontecendo hoje Você viu o tema do malê é Nzinga, Jokanas e Francisca: Um poder
Feminista! a um debate de gênero hoje E
aí malê pensa em trabalhar com a mulher negra a Giovana que são os indígenas
Pataxós e Francisca que representam a mulher negra em Itapuã Dona Francisca,
então é um debate histórico mas é político de reivindicação por que que eu tô
dizendo tudo isso que um bloco afro ele faz o carnaval momento político
cultural mas político, um tema como esse para os blocos afros quer dizer você
ter a oportunidade de politizar no seu discurso na sua performance você vai
estar com um público específico para dançar o carnaval mas é um público que já
se acostumou a entender o bloco afro como uma coisa política, não é qualquer
música que é um bloco afro vai cantar.
Quando o Olodum
na década de 80 lançou o faraó foi um boom e as pessoas começaram a entender
que o Egito era na África, até os evangélicos tiveram que entender que a saga
de Moisés foi no Egito, as pessoas não associavam o egito a África então o boom do olodum para além da história, é um boom político da África, quem são, de
onde veio, Da onde veio isso reverberou de tal forma que você passa a pensar de
outra forma Búzios no contexto de um bloco afro, certamente vai dar esse boom.
O Olodum já fez isso, com o tema Búzios Olodum Talvez hoje seja o bloco afro
que mais Traga essa questão de Búzios como o elemento do seu simbolismo o
Olodum é autor de um projeto para
transformar os jovens búzios em heróis
nacionais, Buzios no contexto do Olodum
já é muito próximo então, de certa forma isso já vem sendo trabalhado, o que
provocará nos demais blocos afros “dentro desse contexto político que já é
peculiar vamos trazer Búzios também”
essa luta de onde começa mas que hoje a Bahia vai abraçar ir ao carnaval .
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