FESTA DA BOA MORTE
Conhecer
a história para além dos livros, Vivenciar a história para além da lenda,
participar da historia como parte dela. Quando se tem essa oportunidade o
leitor passa a ser a personagem, a se encaixar nas vivências do lugar, a
respirar a cultura que conhecia por ouvir falar.
Se a
historia de um lugar está sempre estendida nos livros de história, nas revistas
e nos jornais, e para os participantes é apenas a história, para os leitores
distantes ou de mais perto que nunca vivenciaram, é cultura, história, emoção e
muitas vezes o retrato de uma luta por algo que revolucionou o lugar, um grupo
social ou quiçá o mundo.
Com
essa visão de livros e revistas fomos nós à cidade de Cachoeira para conhecer e
registrar através de fotografias a festa da Boa Morte. Aprendi sobre ela nos
livros. Sabia que é uma confraria religiosa nascida na época da escravidão, que
seus membros eram mulheres escravas aflitas com suas condições de vida, que
participavam do candomblé, mas eram obrigadas a frequentar a Igreja católica
por imposição dos seus senhores. Sabia também que elas precisavam de uma Igreja
que garantisse a existência da confraria através da celebração religiosa. Elas
começaram tudo na Igreja da Ordem Terceira do Carmo no Pelourinho e mudaram
várias vezes de Igrejas até que sua cúpula de organização transferiu-se para a
cidade de Cachoeira e ali se assentou. Contam alguns pesquisadores que essa
festa surgiu em 1820, eles afirmam também, que havia muitos conflitos entre
senhores e escravos e que muitas outras manifestações religiosas surgiram na
década.
Relatam
os pesquisadores, que as confrarias desses tempos, exigiam de seus confrades,
dinheiro, joias, anuidades, esmolas e outras permutas sociais com fins de
libertar escravos e manter a instituição. Mas a confraria da Boa Morte só tinha
mulheres simples, com idade entre 50 e 70 anos, e tudo que desejavam era um
funeral respeitoso, por isso todo recurso que elas conseguiam se destinava a
pagar o enterro de quem fosse primeiro.
A
festa da Boa Morte acontece na primeira quinzena de agosto e tem em suas
práticas, vários rituais. A programação é longa, inclui samba de roda, jantares
e almoços, pedidos de esmolas, rituais de candomblé, confissões na Igreja
católica, morte, velório e assunção de Nossa Senhora, que culmina numa linda
procissão saída da Igreja Matriz com as senhoras idosas vestidas em suas roupas
de gala (branco, preto e vermelho), acompanhadas dos padres e cercadas de
muitos seguranças para garantir a caminhada lenta das idosas livre de atropelos.
Uma
cultura praticada ininterruptamente e com seus rituais conservados se
transforma em tradição. A tradição se transforma em lei. A Festa da Boa Morte foi
assim, e no ano de 2010 o Governo da Bahia reconheceu essa manifestação como
Patrimônio Imaterial, e passou a apoiar sua realização.
Falar
dessa manifestação em sala de aula é bacana porque ensinamos aos meninos e
meninas a importância dessa festa para a mulher negra e para a Bahia, mas
participar dela é uma emoção imensa. Se sentir inserida na história, vendo
aquelas idosas repetindo gestos de 200 anos, conduzindo sua fé, e ainda
arrecadando dinheiro para o seu funeral, é indescritível. Poder falar para
outros segmentos culturais que você esteve ali, que pôde observar bem de
pertinho a devoção daquelas senhoras; saber que você teve que lutar muito para
conseguir uma boa foto, pois tinha gente do Brasil inteiro e até estrangeiro
disputando cada centímetro daquele entorno para fazer seu registro cultural é fantástico.
Eu
me senti assim, privilegiada, vivendo a cultura, disputando espaço, e sendo um
membro observador dessa manifestação cultural que orgulhosamente é um dos
Patrimônios Imateriais da Bahia. Festa da Boa Morte, cultura, resistência,
história!
Ago. 2017
G A L E R I A DE F O T O S
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