Grito silencioso de socorro (Irene Dóres)

Teatro: no sentido representativo sou mais velho que Jesus Cristo. No sentido material e local, sou um senhor centenário. Minha história é como a de todos os outros teatros, fui construído com a finalidade de reunir e proporcionar diversão à sociedade valenciana, numa época em que, nem Salvador tinha ainda, uma casa de espetáculo teatral. Assustaram-se? Pois é, sou mais velho que o teatro mais velho da capital, o Teatro Santo Antônio, só depois, em 1958 nasceria o TCA, eu já estava quarentão, eu era lindo e luxuoso. Meu nome é Teatro Municipal de Valença.

Colaborei com o desenvolvimento de entidades como a Santa Casa de Misericórdia e a Igreja Matriz. Passaram por mim, personalidades nacionais como Procópio Ferreira, o grande nome do teatro brasileiro, mas fui o palco principal para os artistas locais como Alexandrino Rosas e Vanilton Costa.

Guardo as memórias dos artistas e espectadores que se encontram ainda conosco, como Otávio Mota, Juliano Britto, Irene Dóres, Gilvan Monção, Ricardo Lemos, Virgínia Negreiros, Reinaldo Mercês e todos os outros que por mim passaram. Também colaborei para sustento melhoria de vida, de muitas famílias valencianas através dos cursos ministrados pelo SESI no período em que se abrigava em minhas instalações. Eu sou muito importante para Valença. E sei que vivo no coração dos valencianos que me conhecem, bem como no daqueles que querem levantar minha história, por perceberem que me encontro inserido na lista dos patrimônios histórico e cultural local.

Já pertenci ao município, passei para mãos de particulares, retornei ao município. Mas ao que parece, a sociedade anda esquecida de mim, pois me encontro abandonado e pedindo socorro silenciosamente, pois ninguém me ouve. Ocupam-me com qualquer atividade, me fazem de depósito, pintam minha fachada para turista ver ou para dar uma visão mais bela à Praça da República, mas por dentro estou caindo aos pedaços, bem descaracterizado. Ainda possuo umas madeiras originais, mas se não me socorrerem, logo estarei destruído pelos cupins. E me transformarei quem sabe numa espécie de ruína parecida com aquelas da antiga fábrica de tecidos às margens do Rio Una.

A comunidade me deseja reformado, no entanto, é preciso reunir e formar uma grande força, pois uma pessoa só não faz barulho, mas várias... Produz um eco maior e conseguem ser ouvidas. O Poeta dizia sabiamente que: “sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha juntos é realidade”

Então valenciano você vai me deixar morrer naquela praça sozinho? Estou pedindo socorro, não quero ser descaracterizado mais uma vez, tampouco desejo me desvirtuar do meu propósito que é apresentar trabalhos artísticos, foi para isso que fui criado.

Os políticos não me vêm como patrimônio, mas sim como uma casa abandonada que pode ser aproveitada para fundações e salas de reuniões. Eu sou Teatro, quero permanecer Teatro, contudo preciso de sua ajuda. Pense em mim como um patrimônio pertencente a você. Você permitiria que destruíssem a sua casa? Então, eu sou a sua casa, se permitir que me destruam, amanhã não terá o que mostrar para sua futura geração. Uma sociedade sem memória é uma sociedade perdida no tempo e no espaço.

Em outubro de 2010 estou completando 100 anos, não é uma boa data para me tombarem como patrimônio histórico e cultural de Valença? Então vamos nos organizar, preciso sobreviver mais uma vez às tentativas de desarticulação das minhas funções.

Meu nome repito: Teatro Municipal de Valença. Meu desejo: continuar sobrevivendo com garantias de não ser modificado nem ter minhas funcionalidades alteradas, mas eu dependo de você. Parafraseando outro poeta, estou pedindo a tua ação, e um pouquinho de proteção, pois sou um maior abandonado e não quero ser adotado para perder minha personalidade nem minha função.

Se permitires que me modifiquem estarão permitindo que suas memórias se percam no tempo, que seus sucessores me vejam apenas como uma foto na parede, e com vagas lembranças do que foi um dia o Teatro municipal de Valença que proporcionou muitas alegrias para a sociedade e que se transformou numa simples fachada na praça.



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